O poema não é máscara que esconda a face de
ninguém, mesmo que se procure ficar por trás das palavras, há de ser revelado
nas entrelinhas, um pouco de quem verseja. A obra A nudez de escrever, de Roberto de Queiroz, provoca este
entendimento. O autor sugere que o texto o denuncia, mostrando como se é
internamente. Mas quando isso acontece, faz-se, como é de se esperar, pela
força das metáforas, o que não diminui a veracidade, pois no que se vê
percebe-se a existência de certas verdades, ou meias-verdades (que muda tudo).
Mesmo assim, ele se expõe diante do espelho
das letras e surge quase nu de seu sentimento, transparente, mas não todo
exposto, como defendem os versos do livro citado (p. 39): “Escrever é se despir/ (si próprio e o sentimento)/ daquilo que há no
âmago (...) que se expõem ao grafar.” Tudo vai muito bem, mas quando ele introduz
a palavra “âmago,” carregada de ambiguidade, veste-se de novo em seu manto
opaco, pois “âmago” oculta, indecifra qualquer sentimento, não permitindo que
se descubra a límpida realidade. Como quem quer e não quer, finge querer
revelar-se, mas, é “fingimento deveras.”
Ainda que se deixe ocultar entre versos
meio obscuros (p. 46): “circunspeto à
candura dos lorpas,/ atreve-se a vir à tona o ubíquo,” o poeta revela sua posição,
dentro de uma crítica visão de mundo, bem como o domínio que exerce sobre a
linguagem figurada, mas reveladora de identidades. É claro que o leitor atento
sabe que isso é um jogo de esconde-esconde e ver um poeta nu, nos termos em que
estamos tratando, é algo que beira a impossibilidade. É que o poema, na
condição de reflexo do espelho interno do escritor, traduz imagens distorcidas,
modificadas, embora verdadeiras na sua essência, no âmago, por assim dizer. Sem
controvérsias, todos manipulam a imagem que publicam, nunca negando a
verdadeira face, mas investindo no disfarce da própria realidade vivida ou
desejada.
Com isso, pode-se afirmar que o poeta, que
é um inventor/ator por natureza, não se permite aparecer de cara limpa em
nenhum de seus versos, principalmente nas obras-primas, onde a invenção é
regra. Porquanto, há um jogo de ideias e sentidos figurados para guardar o que
só ele sabe e a ninguém diz. Por assim dizer, a mimese, que é a imitação por
palavras, na literatura, não se configura em copiar a realidade dos fatos, mas
moldá-la ao cunho artístico, exigindo que o escritor se vista sempre de uma
roupa pelo menos linguística, invisível aos olhos comuns e sabe que não se pode
despir completamente, porque possui alguma caixinha de segredo que não se abre.
Há sempre um tapa-olho nas partes mais íntimas da poesia.
Para aumentar o disfarce, o autor dialoga
com outros poetas, quase que inconscientemente, mas descobre o caminho e
provoca a intertextualidade, bem ao gosto dos modernistas, como se atesta em “Uma parte de mim é permanente/ outra parte
se sabe de repente” de Ferreira Gullar e que Roberto de Queiroz (p. 63) atualiza
como “Um pedaço de mim é permanente/
outro pedaço surge de repente”. De quem trata “essa parte?” De Gullar ou de
Queiroz? O certo é que existe um elemento chamado eu-lírico que anula a verdade de ambos e se pronuncia como uma voz
dentro do poema que não pertence mais a nudez dos autores, mas a dos leitores quando
percebem que a verdade do escritor é também a sua. E quem aparece nu, nessa
história: o autor ou o leitor?
Na verdade, só o poeta sabe onde “os poemas estão prontos sem estar” (p.
61) e isso Roberto de Queiroz descobriu há muito tempo, desde seu primeiro
livro publicado. Agora tenta desnudar-se, mas ainda com muito recato, porque
não se mostra por inteiro, mas o que se permite revelar aponta para a grandeza
de uma poesia que transita com facilidade entre o verso branco e o tradicional.
Vamos ver se da próxima vez ele tira a
roupa (sentimento) por completo e se revela nos versos como em carta-aberta aos
leitores. Du-vi-de-ó-dó!
(Texto
publicado no Diario de Pernambuco, 11/07/2013,
Opinião, p. B9 e na Folha de Pernambuco,
11/07/2013, Cidadania, p. 4)
* Admmauro
Gommes é poeta e professor de Teoria Literária da FAMASUL (Palmares/PE)
Sim, talvez tímido, talvez comedido, talvez modesto, talvez insano & transgressor o poeta se sabe agente do movimento que instiga nosso pensar, e nossas emoções... lembro da expressão de um grande amigo meu ao ouvir pela primeira vez a récita gravada pelo autor (grande poeta Ferreira Gullar) do seu Poema Sujo... lembro da lágrima renitente a lhe pender dos olhos de "grandalhão abrutalhado", tocado, vencido, comovido pela mágica atemporal do poema sendo dito, revivido, sendo "eviscerado" pelo autor que até então ele não havia descoberto. Tens razão caro professor: os poetas fingem que se desnudam, ou se desnudam fingindo que se escondem. Um abraço. Alexandre Florez.
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